terça-feira, 24 de março de 2015

OS PARTIDOS POLÍTICOS NA CRISE DA REPRESENTAÇÃO

                

Prof. Godofredo Pinto                                                                                      Dezembro/2009


0.Introdução


Este texto sobre a problemática dos partidos políticos visa complementar, através de um enfoque mais abrangente, a minha análise, expressa em “Reforma Política: uma prioridade nacional?” (de setembro de 2009), na qual enfatizo meu entendimento de que não será mediante mudanças na legislação partidária e eleitoral que se superaria, de forma cabal, o atual quadro de descrédito porque passam estas instituições, ainda que algumas alterações legais possam e devam ser feitas topicamente para se minimizar um pouco a situação crítica destas agremiações.


 Em verdade, penso que a questão central desta problemática é de natureza ideológica e, portanto, filosófica. Daí porque, com a cautela que cabe a um leigo, adentro um pouco na seara da História da Filosofia na Era Moderna (quando os partidos políticos foram criados) e dos dilemas ideológicos dos séculos XX e XXI, apesar de saber que o faço com certo grau de esquematismo simplificador – fato decorrente, seja da circunstância de não ser eu um expert na matéria, sendo apenas um leitor eventual de trabalhos filosóficos, seja por não ser o caso aqui de elaborar nenhum tratado profundo sobre temática filosófica (do que, aliás, eu não seria capaz), visto que o objetivo básico deste texto é o de expressar, a partir de um enfoque à esquerda, a minha avaliação sobre “os partidos políticos na crise da representação”.



1. A Filosofia e a ação política


A por todos reconhecida grave crise de credibilidade das instituições representativas da sociedade contemporânea, das quais os partidos políticos e as entidades vinculadas aos movimentos sociais são parte, tem, no meu entender, várias razões, sendo uma delas a causa fundamental: a crise mais geral do pensamento  filosófico “clássico”, expresso nas grandes totalizações sintéticas, como dizia Sartre, das quais macrosistemas filosóficos como o cartesianismo, o liberalismo (Locke), o kantismo, o hegelianismo e o marxismo são exemplos tão marcantes.


            Em verdade, no mundo ocidental, de meados do século XVII até o último quartel do século XX, grandes totalizações filosóficas foram prenhes de racionalismo iluminista, vale dizer, de crença na Razão humana, de fé nas potencialidades do Homem de sempre melhor dominar os conhecimentos acerca da Natureza e de si próprio, e de otimismo quanto a um destino histórico generoso, progressista e eticamente elevado para a Humanidade. Também floresceu, neste período, o empirismo iluminista, segundo o qual a fonte do conhecimento é a experiência sensível – e não a Razão metafísica - e o Saber científico viabilizaria um controle sobre a natureza que propiciaria a instauração da harmonia e bem-estar entre os homens. O certo é que, malgrado as diferenças essenciais existentes entre as diversas filosofias do Iluminismo (séc.XVII – séc.XIX), havia um “astral” comum, um horizonte utópico instigante, uma perspectiva positiva subjacente a todas elas – um “espírito de época” -, que consistia na postura dos indivíduos de servirem-se do intelecto de maneira livre, autônoma, produtiva e, acreditava-se, propiciadora da evolução das sociedades humanas. A prevalência, naquele período histórico, de uma galvanizadora perspectiva totalizante no ideário de tantos quanto vanguardeavam processos políticos, sociais, culturais e acadêmicos, infundiam nos militantes de cada uma das várias áreas da atividade humana transformadora e criativa, um norte ideológico geral, balizador de suas reflexões e práticas atinentes a seus campos próprios de atuação na sociedade e, portanto, instigador de práxis mudancistas voltadas para a emancipação do ser humano.


          No campo político, filosofias grandiosas deste jaez, informaram e suscitaram apaixonados engajamentos a movimentos coletivos radicalmente transformadores, como foram os casos da Revolução Gloriosa inglesa (séc.XVII), das Revoluções Americana e Francesa (séc.XVIII), das Revoluções de 1848 e da Comuna de Paris (séc. XIX), das Revoluções Russa e Chinesa (séc.XX), dentre tantos outros. De fato, é sabida a decisiva influência que o iluminismo dos Enciclopedistas (Diderot, D’Alembert, Voltaire, d’Holbach, Rousseau, Montesquieu, Buffon, dentre outros 150 autores) – muitos deles sintonizados com o ideário de cunho empirista dos britânicos Bacon e Locke (séc.XVII) e Hume (séc.XVIII) – exerceu sobre as revoluções burguesas, assim como teve o marxismo sobre as revoluções socialistas. Sobretudo entre os séculos XVII a XIX – período em que se deu a ascensão histórica e a afirmação hegemônica da burguesia no mundo ocidental no contexto da Revolução Industrial -, o élan psico-cultural de “alto astral” era predominante na “opinião pública” dos países desenvolvidos, especialmente no “Século das Luzes” (séc.XVIII). Para um ambiente cultural tão positivamente estimulante, contribuíram decisivamente as grandes obras da Ciência deste período (de Galileu, Descartes, Newton, Leibniz e Gauss nas matemáticas e na física; de Boyle, Dalton e Lavoisier na química; de Harvey, Pasteur e Darwin nas ciências biológicas), as descobertas e invenções técnicas revolucionárias (do telescópio ao heliocentrismo planetário moderno, da Geometria Analítica ao Cálculo Infinitesimal, das leis da Gravitação Universal às do Eletromagnetismo, da teoria atômica moderna à lei da conservação da matéria, da Teoria da Evolução das Espécies ao Materialismo Histórico, da fisiologia da circulação sanguínea à vacina, da apologia do livre mercado de Adam Smith à mais valia do capital de Marx, da máquina a vapor à lâmpada incandescente, do tear mecânico ao telefone, da difusão dos periódicos impressos ao telégrafo, dentre tantas outras), a Reforma Protestante feita por Lutero e Calvino (com a fundamental afirmação do indivíduo enquanto agente independente, sem mediadores humanos na sua relação com Deus via livre exame da Bíblia, única fonte da fé), além das inovadoras formulações da iluminista Ética racionalista, calcada no valor da liberdade, de grandes filósofos como Espinosa, Fichte, dentre outros.     


Macrosistemas filosóficos não são mais dominantes no cenário cultural de hoje. Atualmente, com a crise de credibilidade relativa a tais macrosistemas filosóficos, que não mais dão conta de explicarem cabalmente e sinalizarem prospectivamente (como fazia, por exemplo, o marxismo com seu “determinismo histórico” no sentido de uma redentora “sociedade sem classes”) questões atinentes a novas condições histórico-sociais vigentes neste globalizado mundo da internet, da robótica, da nanociência, da engenharia genética, dos transplantes, da clonagem de animais, da psicofarmacopéia  em expansão acelerada – e que nos antepõem dilemas graves, sobretudo éticos -, o que passou a reinar nos militantes políticos em geral é a falta de um alternativo sentido histórico amplo que seja capaz de balizar rumos estratégicos e informar propostas transformadoras de caráter mais abrangente, que permitisse reverter o atual quadro de grande apatia, descrença e distanciamento dos cidadãos dos movimentos e entidades de representação da sociedade.


Se a esta revolução técnico-científica em curso agregarmos um desenvolvimento econômico-social do capitalismo hoje estruturalmente distinto daquele de caráter fordista-taylorista baseado na produção em série em grandes unidades industriais, nas quais trabalhavam um crescentemente numeroso operariado – contexto este (o da 2ª Revolução Industrial) que fora subseqüente ao da 1ª Revolução Industrial, tão profundamente analisado por pensadores do porte de um Adam Smith, de um David Ricardo ou de um Karl Marx -, percebemos que não há mais teorizações que tornem plenamente inteligível a atual dinâmica geral de um sistema globalmente hegemonizado pelo capital financeiro, no qual há uma significativa redução relativa do peso econômico e político da classe operária tradicional em função do crescimento impactante dos setores de serviços, e onde já desponta uma “economia verde” como uma nova área de extraordinário potencial expansivo. Daí, cabe a inquirição: o que advirá do atual sistema produtivo? Quais mutações econômico-sociais haverão de ocorrer? Afinal, não há o “fim da História”...


A falência do neoliberalismo e da economia burocraticamente planejada do dito “socialismo real”, o descrédito da social-democracia e de instituições como o FMI e o Banco Mundial, o crescente questionamento do dólar como moeda dominante da economia internacional – o que põe em cheque o sistema geopolítico e econômico montado para o pós-guerra em Bretton Woods -, situam este início do séc.XXI como uma fase de transição histórica que está a requerer uma ampla e profunda Teoria – em verdade, uma Filosofia que presida um novo Saber que, tendo em conta as conquistas da Ciência contemporânea e utilizando métodos originais de pensamento, seja capaz de iluminar uma melhor compreensão do Mundo atual, de propor uma renovada Ética humanista, e de embasar uma Teoria Política que oriente os militantes das causas libertárias a construírem estratégias de luta em prol de um Planeta mais justo, humanizado e ecologicamente sustentado. Afinal, a História tem demonstrado que cada época coloca, na ordem do dia, potencialidades, desafios, dilemas e impasses críticos, que induzem a criação de uma Filosofia que enfrente e supere criativamente problemáticas atinentes às necessidades concretas e exigências culturais dos setores sociais em ascensão, Filosofia esta que permanece efetivamente viva enquanto estiver sintonizada e iluminar a práxis coletiva que a engendrou.



2. O Século XX e seu ideário controverso


O Século XX conviveu com dois grandes campos filosóficos: o iluminista (com suas duas vertentes – a racionalista e a empirista) e o contra-iluminista.


Em verdade, desde os primórdios da Era Moderna estes dois campos filosóficos coexistiram; só que, do final do séc.XVII até meados do séc.XIX, a clara dominância do “otimismo” iluminista - embasado numa dinâmica histórica de enormes avanços científicos e profundas transformações culturais a serviço da afirmação do novo sistema econômico-social capitalista - fez com que visões “pessimistas” e “anti-racionalistas”, antagônicas ao Iluminismo, subsistissem um tanto à margem da corrente intelectual hegemônica na época.


De fato, também o séc.XVII conviveu com importantes filosofias essencialmente antagônicas. Na primeira metade deste século, para além do surgimento do grande sistema racionalista de Descartes, aparece o pensamento sui generis  do filósofo inglês Thomas Hobbes. Ele foi um empirista (rejeitava as “idéias inatas” da Razão cartesiana) que valorizava a racionalidade científica, tendo construído sua obra via método lógico-dedutivo. Assim sendo, ele deve ser considerado um dos precursores do Iluminismo. Contudo, sua visão “egoística” da natureza humana (“o homem é o lobo do homem”) e da sociedade (cujo “estado natural” seria o da “guerra de todos contra todos”); sua doutrina política reacionária (era um defensor do Absolutismo Monárquico; contra os poderes do Parlamento) pró-despotismo político – mesmo defendendo que, em nome da preservação da paz social através do poder da “espada”, o poder total do soberano deveria ser fruto, não de um suposto “direito divino”, mas sim de um pacto voluntário dos indivíduos consubstanciado num contrato social -, expressavam uma concepção “pessimista” do Homem e da vida, que contrastava com o espírito iluminista que viria a se impor crescentemente nos anos finais de sua vida.


Por outro lado, também em meados do séc.XVII, impõe-se como expressivo marco filosófico o pensamento de Pascal – outro contendor de Descartes -, com sua visão trágica da condição humana, sua afirmação dos limites da Razão (a despeito de ser ele um dos maiores gênios da história da Ciência), seu reconhecimento da inteligência do “coração” (“o coração tem razões que a razão desconhece”) e, pois, do conhecimento pela fé. Após ele, o contra-iluminismo como que hibernou por mais de 1 século, sufocado que estava pelo prestígio intelectual do Iluminismo, sem que nenhum filósofo de grande influência se contrapusesse ao modo de pensamento cientificista baseado no modelo matemático-dedutivo e no exame das experimentações concretas que norteava a busca da Verdade, da ordem e da harmonia nas Ciências da Natureza, na Ética e nas relações sociais.


Somente no final do século XVIII, o romântico Schelling, seguido no séc. XIX pelo pessimista Schopenhauer, pelo existencialista Kierkegaard, pelo trágico Nietsche, dentre outros, recolocaram na cena filosófica visões “antirracionalistas” tais como a revalorização da Arte como forma superior de conhecimento; a relevância, para um autêntico saber, de características da subjetividade humana como as paixões, a intuição, a vontade, a fantasia poética; o resgate filosófico das tradições e mitos históricos – especialmente das tragédias e da mitologia gregas -, do saber místico, do profetismo alegórico, da análise simbólica e do estudo das linguagens ao longo da história; a descrença na adequação e veracidade plena do modelo ideal e abstrato da Matemática para todo conhecimento; enfim, a crença de que a inteligência estética é superior à inteligência teórica (do racionalismo) e à inteligência prática (do empirismo).

           
         Tal elenco de filosofias expressava, de um lado, uma reação ao caráter absoluto atribuído à Razão metafísica na filosofia mais em voga na época – a de Hegel -, e de outro lado, uma rejeição ao empirismo mecanicista e à fria visão cientificista do pensamento iluminista que, tal como entendia Newton, julgava que a Matemática e as experiências práticas seriam capazes de tudo explicar (pensamento este, contudo, incapaz de dar conta de impasses intelectuais fundamentais não resolvidos); expressavam também uma contestação a um modus vivendi cada vez mais mercantilizado e opressivo – realidade tão bem descrita por Marx no Manifesto Comunista -, que se contrapunha ao apregoado ideal iluminista de uma sociedade plenamente racional e generosa.


Assim, foi neste contexto filosófico e cultural dúplice – iluminista e contra-iluminista – que a civilização ocidental adentrou o século XX, que no seu início viu ocorrer a extraordinariamente impactante tragédia da 1ª Grande Guerra Mundial, que deu fim à belle époque da dominação burguesa do planeta.


A esta hecatombe, seguiu-se a consolidação da Grande Revolução Russa e a eclosão da Grande Depressão econômica no mundo capitalista, culminando este processo de dramáticas convulsões sócio-econômicas e políticas com a deflagração da 2ª Grande Guerra Mundial, a que se seguiram a constituição dos regimes de “socialismo real” no Leste Europeu e as vitórias da Grande Revolução Chinesa, das lutas pela independência nacional de tantas nações colonizadas da Ásia e da África, além das conquistas dos direitos políticos e civis dos trabalhadores, das mulheres e das etnias discriminadas. Ademais, para além da vigência da Guerra Fria por mais de 40 anos após a 2ª Guerra Mundial, houve simultaneamente, por um lado, uma grande expansão da democracia política em inúmeros países do mundo, e por outro lado, uma grande presença de regimes autoritários baseados em fundamentalismos religiosos e ou étnicos que, mercê de visões xenófobas e discriminatórias, afrontam os direitos civis e políticos conquistados por tantos milhões de cidadãos (ãs) em tantas partes de nosso planeta. Outrossim, temáticas como as da livre opção sexual e da ecologia, ganham crescente espaço no ideário de nossa cidadania desde o último quartel do século passado.


Se a este quadro de enorme convulsão social e política, somarmos o advento de descobertas científicas que, desde meados do séc. XIX, começaram a “balançar o coreto” de pilares básicos da visão de mundo da elite intelectual de então – a começar pela dos cientistas “clássicos” -, pode-se compreender quão abaladas ficaram as convicções daqueles que julgavam inquestionáveis certos princípios fundamentais de poderosos sistemas científicos – como o de Newton, por exemplo. Afinal, disto são exemplos: a criação de geometrias não euclideanas (que retiram o caráter “absoluto” da noção de espaço tida por milênios como natural e indiscutível); os diferentes entendimentos lógicos sobre o que “é” cada número natural (os de Bertrand Russel, Zermelo e Von Neumann; logo, não há uma única Matemática); as polêmicas sobre o conceito de “infinito” (com a recusa de inúmeros matemáticos – inclusive dos intuicionistas – de aceitarem como válidos ramos inteiros da Matemática, como é o caso da Aritmética Transfinita); o surgimento da construtivista lógica matemática intuicionista (em contraposição à lógica clássica no questionamento relativo ao princípio do terceiro excluído e, pois, quanto à prova por redução ao absurdo, dentre outras questões). Também, já no séc.XX, alicerces da física clássica newtoniana – conceitos absolutos e independentes como espaço e tempo – foram questionados pela Teoria da Relatividade de Einstein, na qual espaço-tempo forma um “sistema” interrelacionado num espaço “curvo” não euclideano; a Mecânica Quântica - especialmente atinente aos movimentos no mundo microscópico – tem leis e princípios não sintonizados nem com a Física Clássica nem com a de Einstein (princípios como o da Incerteza e o da não vigência do conceito de trajetória de uma partícula); ou seja, questões tão chocantes e surpreendentes que frustraram o almejado “sonho” de se construir um só sistema físico-matemático aplicável a todos os desafios da Ciência. As problemáticas profundamente perturbadoras para todos aqueles que tinham uma visão científica convencional tiveram sua culminância, nos anos 30 do século passado, com os Teoremas de Gödel, que demonstravam que nenhum sistema matemático que contenha a aritmética dos números naturais será simultaneamente consistente (livre de contradições) e completo (toda verdade matemática do sistema é nele demonstrável). A prova de Gödel de que a Matemática – a “Rainha das Ciências” – tem seus limites intrínsicos de validade, foi um impactante golpe na lógica e “bom senso” tradicionais.     


Porém, por mais que perturbadoras descobertas da Matemática, da Lógica e das Ciências Naturais tenham contribuído para a consolidação de uma “sensação” de “falta de chão” quanto ao arcabouço mental das pessoas que tinham na racionalidade científica uma referência maior do seu modo de pensar e agir, tais questões científicas eram afetas a um restrito número de especialistas, não atingindo diretamente a psique do grande público intelectualizado - salvo, talvez, a Teoria da Relatividade. Todavia, no início do século XX, uma inovação científica revolucionária iria definitivamente “balançar o coreto” das cabeças de todo mundo, a saber, a análise do inconsciente de Freud. O viés “antirracionalista” e “pessimista” da teoria freudiana é evidente (o agir humano foge ao controle da Razão, e nossa psique é fundamentalmente influenciada, desde a infância, por impulsos, como os da libido, objetos tanto de repressão castradora quanto de sublimação criativa). A amplíssima divulgação que tais descobertas tiveram, fizeram com que a Psicanálise passasse a fazer parte, cada vez mais, do cotidiano do nosso mundo, aumentando sobremaneira o peso da relativização dos valores, das controvérsias, perplexidades e insegurança conceituais do cenário ideológico vigente no século passado (e ainda presente também, em certa medida, neste nosso século XXI), com fortes impactos, especialmente no campo ético.


Assim é que, ao longo do conturbadíssimo século XX, o mundo ocidental vivenciou uma ferrenha luta entre três grandes sistemas filosóficos e políticos: o marxismo (de raiz iluminista), o liberalismo (de raiz iluminista), e o nazi-fascismo (de raiz contra-iluminista). Esta luta desdobrou-se, ora com maior peso ideológico e político de um dos sistemas, ora de outro (tendo havido, politicamente, “soluções híbridas” entre as duas correntes iluministas – a socialdemocracia), encerrando-se o século passado com a preponderância do redivivo ideário liberal de Locke e Adam Smith.



3. A crise do marxismo e a contribuição de Sartre


A última grande totalização sintética que até 40 anos atrás moveu o Mundo de maneira radicalmente profunda foi a Filosofia Marxista. Esta Teoria filosófica, econômica e política, que tão extraordinariamente estimulou a criatividade e a práxis revolucionária de milhões de pessoas ao longo do século XX, recebeu aportes muito importantes de possantes pensadores e líderes políticos (tanto “revolucionários” quanto “reformistas”) que vão, dentre vários outros, de Lenin a Garaudy, de Trotsky a Vygotsky, de Gramsci a Lukacs, de Kautsky  aos da Escola de Frankfurt – Horkheimer, Adorno, Benjamin, Habermas, Marcuse, Fromm -, e sobretudo do Jean Paul Sartre dos anos 50, que buscou integrar lúcida e criativamente seu existencialismo ateu ao marxismo - que ele considerava a “filosofia insuperável de nossa época” -,   mas que estava, a seu juízo, estagnado, operando com conceitos esquemáticos desencarnados e impotentes, incapazes de uma análise concreta da vida das pessoas, reduzido a um “empirismo sem princípios”, a um apriorístico “saber puro e coagulado” na análise de fatos históricos e de realidades sócio-econômicas, sendo enfim uma “doutrina imensa” – com a qual tinha “um acordo de princípio” com o materialismo histórico, mas não com o materialismo dialético (isto é, com a Dialética da Natureza) -, que ainda “está por fazer” (“não está para ser revista”), necessitada que estaria de uma revitalização que lhe restituísse a sensibilidade perdida para a realidade concreta. Para Sartre, os marxistas contentavam-se com esquemáticas, fetichizadas e, pois, simplórias interpretações do mundo e da vida. Isto porque os marxistas seus contemporâneos faziam uso, de forma muito apressada, de sínteses conceituais totalizantes demasiado abstratas – do tipo “intelectual pequeno-burguês” para caracterizar, por exemplo, Paul Valéry e Gustave Flaubert, ou também “proletariado francês”, sem maiores especificações -, pouco trabalhando com as indispensáveis mediações que enriqueceriam o conhecimento real a ser produzido no percurso entre os dados brutos da realidade e o conceito sintético utilizado. Por isso, para a elaboração de tais mediações, Sartre defendia a incorporação ao arsenal teórico marxista – com eventuais correções -, de concepções atinentes a disciplinas como a Psicanálise (algo que membros da Escola de Frankfurt também fizeram) e a Sociologia, vistas então com um certo desmerecimento preconceituoso por tantos marxistas “revolucionários”. Ademais, Sartre estendia tais críticas ao então muito em voga estruturalismo (seja o de Lévi-Strauss, seja o do marxista Althusser), bem como polemizava também com os existencialistas não marxistas.  


De fato, penso que a análise de Sartre é muito procedente quando expõe as carências do pensamento marxista na atualidade. Sua crença no resgate do marxismo enquanto a mais potencialmente profícua filosofia de nosso tempo, ficou demonstrada, não só no seu sistemático e sempre empolgado apoio militante aos movimentos libertários e a regimes revolucionários socialistas, mas especialmente no ingente trabalho teórico que desenvolveu, tendo contribuído com uma muito densa elaboração filosófica – tendo enriquecido o elenco de conceitos tradicionais do marxismo com novos conceitos básicos -, visando fundar a validez teórica da razão dialética marxista, expressa no texto Questão de Método, ensaio introdutório de sua inconclusa obra Crítica da Razão Dialética. Outrossim, a própria obra de Sartre, e a situação crítica vivida pelos partidos ditos marxistas, são relevantes indicações de que, mesmo ainda sendo a menos impotente das filosofias existentes, o marxismo hoje padece de insuficiências que o tornam um sistema de pensamento incapaz de atender plenamente as demandas intelectivas de uma intelligentsia às voltas com perplexidades conceituais crescentes nos dias que correm. De qualquer modo, até porque não concluiu sua obra teórica enquanto pensador marxista, Sartre contribuiu mais na identificação e análise das insuficiências e das questões em aberto no pensamento filosófico atual, do que na plena construção de uma “solução” para a problemática filosófica geral que se propusera viabilizar.


  
4. Partidos políticos: do esvaziamento atual a um futuro incerto


          Os partidos políticos, atualmente, vêm sofrendo um processo de erosão quanto às funções públicas que tradicionalmente exerceram; isto em decorrência do incrível desenvolvimento e expansão dos serviços telemáticos e da confusão ideológica hoje reinante.


Até o último quartel do século passado, o partido político era, nas democracias consolidadas, um valorizado porta-voz e mediador coletivo das demandas e interesses de classes ou grupos sociais junto aos órgãos do Estado e à “opinião pública”. Na sociedade informacional de hoje, os meios tecnológicos permitem o acesso amplo e direto do cidadão às autoridades estatais para manifestação de sua opinião acerca das questões de interesse público e possibilitam a ação coletiva em rede via internet, gerando movimentos de pressão sobre as instituições à revelia dos mecanismos partidários. Na era das votações instantâneas – vide Big Brother Brasil e quejandos -, na qual parlamentares, gestores e juízes podem ter ciência da “vontade política” de uma “opinião pública” difusa mediante acesso a posicionamentos isolados ou “organizados” em rede internética, ou ainda, via pesquisas de opinião, das duas, uma: ou os partidos políticos se reciclam radicalmente, redefinindo suas estruturas organizativas e deliberativas, e acima de tudo, reavaliando suas reflexões programáticas – o que é o mais complexo a ser feito, face à ausência de novas filosofias políticas que expressem uma perspectiva utópica com possibilidades de realização e cujos fundamentos estejam sintonizados com o novo mundo em curso (ausência esta que explica a significativa “pasteurização ideológica” e o tal discurso acomodado e conservador de que teriam acabado as distinções entre direita e esquerda) e a prática abusiva do mais deslavado pragmatismo político vigente entre as maiores agremiações partidárias (a ressalvar, a nitidez doutrinária dos pequenos partidos situados nos extremos do espectro político, quase todos eles enredados numa dogmática já historicamente superada), ou então, por inadaptação à nova era telemática e por carecerem de um discurso ideologicamente sedutor e instigador das grandes massas, verão se esvair ainda mais o papel político e a relevância social que outrora encarnaram. Afinal, como instituição histórico-social que é, o partido político moderno – assim como o sindicato -, nascido e desenvolvido na Europa iluminista, com a função pública acima descrita, poderá perecer por não ter mais serventia relevante diante das novas exigências e possibilidades colocadas pela “pós-modernidade” da nova etapa do capitalismo ora vigente. Tal indesejada possibilidade é uma das mais preocupantes conseqüências, no médio prazo, da grave e crescente crise da representação da cidadania que já nos aflige profundamente.            


Todo este quadro tem como pano de fundo decisivo, um contemporâneo contexto ideológico onde reinam visões de mundo fragmentárias, parcelares, abertas ao irracionalismo, à intolerância, ao racismo, à violência, à corrupção, à xenofobia, aos misticismos, exoterismos e fundamentalismos religiosos e étnicos, configurando uma ambiência sócio-cultural obscurantista, apesar do extraordinário avanço tecnológico que presenciamos hoje em dia. Afinal, a História não se cansa de mostrar a realidade de uma coabitação efetiva de um alto grau de desenvolvimento educacional e tecnológico com uma visão místico-irracional dominante, da qual a experiência do nazismo, na cultíssima Alemanha, é o exemplo recente mais eloqüente.


De fato, a nossa sociedade dita “globalizada” é, contraditoriamente, extremamente fragmentada, sendo economicamente excludente, socialmente violenta, politicamente abúlica (“desideologizada”), culturalmente individualista e filosoficamente descrente das possibilidades éticas do Homem de sempre e melhor reconstruir-se no sentido de mais dignamente vivermos todos num mundo mais humanizado. Assim se a “filosofia” dominante é a do irracionalismo combinada com a descrença no Homem, só a Salvação no Além ou a esperteza individual aparecem como reconfortantes “soluções” para as angústias terrenas. Daí, a fantasticamente exitosa proliferação de livros, revistas, peças teatrais, novelas televisivas e filmes místico/exotéricos e de auto-ajuda (os “Código da Vinci”, “O Alquimista”, “Ghost”, “Como vencer na vida e influenciar pessoas”, “Pai rico, pai pobre” e congêneres) serem marcantes expressões da já aludida fragmentação da visão racional de mundo hoje prevalescente.    


Para este contexto ideológico, muito tem contribuído as progressivas inovações ocorridas, desde o século passado, no tocante aos meios de comunicação de massa – o rádio, a TV e, mais recentemente, a internet. A sistemática, instantânea e generalizada difusão massiva de notícias díspares – desde “pílulas” de novidades técnico-científicas e culturais até cenas diárias de violência irracional, passando por dados e “análises” parciais e não isentas do cenário político -, não induzem a construção, nas pessoas, de uma razoavelmente estável e integrada configuração psicológica, na qual um quadro simbólico – conceitual e emocional – tenha condições de se estruturar mediante a devida sedimentação, organização e sistematização das informações da realidade.


            Por outro lado, lembremo-nos que Marx dizia que o Homem só se põe problemas para os quais antevê possibilidades de solução. De fato, penso que todo este desalentador ambiente ideológico atual haverá de ser positivamente superado num futuro não muito distante. Isto porque, com base na dinâmica global que hoje percebo, acho que estão sendo amadurecidas as condições históricas que propiciarão o desabrochar de um novo e totalizante Sistema Filosófico – possivelmente formulado por um(ns) pensador(es) oriundo(s) de um país emergente da atualidade -, que exercerá neste século um papel análogo ao exercido pelo marxismo no século passado. Tal sistema filosófico haverá de ter com o marxismo uma semelhante relação de “incorporação”/superação que este teve com o hegelianismo. Espero que a História venha a confirmar esta minha expectativa.





Obs. de 24/03/2015: Transcrevo a seguir o e-mail que o companheiro Luciano Mendonça me enviou em 09/03/2015, com comentários acerca deste meu texto. 
Prezado Godofredo,

Li o seu texto Os partidos políticos na crise de representação. Ótima reflexão, tipo texto que temos que ler mais de uma vez para capturar toda a informação contida nele. No intento de dialogar contigo, tenho algumas considerações a fazer a partir da leitura.

  1. Assim como o sociólogo Antonhy Guiddens, entendo que vivemos em uma etapa civilizatória que é melhor caracterizada como alta modernidade, pois as mudanças sociais que evidenciamos se dão graças ao sucesso do movimento iluminista, e não por causa de sua crise ou superação. Assim, continuamos na modernidade, e não em uma tal pós-modernidade

  2. Considero o marxismo uma ciência do campo da economia politica, e não uma simples narrativa filosófica, como defendem os pós-modernos. A teoria da história de Karl Marx é tão científica como a teoria da evolução das espécies ou a da relatividade. 
     
  3. A teoria da história de Marx é o que existe de mais avançado nas ciências sociais, só a partir dela é possível desvendar a realidade do mundo social, superando as deturpações ideológicas que nos impedem de acessar essa realidade social. 
     
  4. Marx usava o termo ideologia como ideia de falsa realidade. Mais tarde os marxistas passaram a usar o termo como visão social de mundo, “ideologia do proletariado”. Prefiro considerar ideologia como falsa realidade, e o marxismo como o meio de sua superação dessa falsa realidade.

  5. Não acredito que a superação do capitalismo venha a acontecer a partir dos países da periferia, o fim da URSS demostrou a impossibilidade de construção de uma sociedade socialista em meio a escassez, acredito que esse movimento só pode dar certos a partir de países centrais, Marx estava certo sobre isso.

  6. De uma forma ou outra, a luta principal será sempre entre os que detêm os meios de produção e os que não os detêm.

  7. Realmente vivemos uma crise da representação, e a sua solução deve passar pelo estabelecimento de mecanismo que permitam a transparência pública, a participação e o controle social da gestão, isso as tecnologias da informação e comunicação já permitem, é uma questão de vontade política.
Abraço,

Luciano.


Considerações por mim feitas e enviadas ao companheiro Luciano Mendonça sobre seus comentários críticos a respeito do meu texto “Os partidos políticos na crise da representação”:

1 – Entendo, como vários pensadores de esquerda, que neste século XXI, o capitalismo vive uma nova etapa. O advento da internet num mundo globalizado como nunca antes, é uma revolução tecnológica que tem uma relevância estruturante para o capitalismo atualmente hegemonizado pelo capital financeiro, análoga a que teve a máquina a vapor para a 1ª Revolução Industrial e as energias elétrica e petrolífera para a 2ª Revolução Industrial. Se esta atual fase do capitalismo deve ser chamada de “alta modernidade” ou de “pós-modernidade” ou de “sociedade informacional” é uma interessante discussão semântica sobre a qual não tenho uma opinião conclusiva; daí ter posto, no texto, o termo “pós-modernidade” entre aspas.

2 – Um tanto esquematicamente eu lembraria que Marx – cujos trabalhos, de fato, não foram uma “simples narrativa filosófica”, mas, sim, altíssima Filosofia, uma “doutrina imensa” (Sartre) – dizia que quando ocorrem transformações profundas na estrutura de um dado modo de produção, consequentemente mudanças relevantes acontecem na superestrutura política, jurídica e cultural (mundo filosófico incluso) da sociedade considerada. Daí eu achar que neste século XXI, numa fase do capitalismo estruturalmente distinta das do capitalismo dos séculos XIX e XX (ainda que em todos os capitalismos haja a exploração da classe burguesa sobre as classes sociais mais despossuídas), seria antimarxista imaginar-se que um aparato conceitual forjado no século XIX pudesse dar conta plenamente – sem que sejam reciclados alguns de seus enfoques fundamentais – dos desafios, potencialidades, problemas e impasses postos pela nova realidade econômica-social à análise dos pensadores de esquerda do mundo atual.

3 – Penso que o marxismo ainda é “a filosofia insuperável de nosso tempo” (Sartre). Nenhuma outra filosofia tem, até o momento, a sua potência cognitiva. Portanto, concordo quando você diz que “a teoria da história de Marx é o que existe de mais avançado nas ciências sociais”. Contudo, isto não me impede de achar também que o marxismo está em crise, estagnado, necessitando de uma revitalização “que ainda está por fazer” (Sartre), posto que, como escrevi, ele “hoje padece de insuficiências que o tornam um sistema de pensamento incapaz de atender plenamente as demandas intelectivas de uma intelligentsia às voltas com perplexidades conceituais crescentes nos dias que correm”, inclusive no campo dos valores éticos deste novo século.

4 – Assim, por achar o marxismo “a menos impotente das filosofias existentes”, quando me perguntam qual é o meu ideário político, eu digo: sou marxista e, pois, sou socialista. Porém, marxistamente, considero que neste século XXI, pelas razões já apontadas, há que ser buscada uma nova Teoria Filosófica que: i) incorpore “métodos” – os materialismos histórico e dialético – e conceitos fundamentais de análise da História e da realidade das sociedades humanas – como, por exemplo, o de que são os interesses conflitantes das classes sociais que explicam o devir histórico – que Marx apresentou e que fazem parte da História da Filosofia, da Ciência e da Política humanas; ii) supere dialeticamente aquelas noções marxistas que estão historicamente defasadas – por exemplo, dentre outras, a centralidade da classe operária industrial (não genericamente “trabalhadores”) enquanto parteira prioritária da anunciada sociedade socialista (hoje, na sociedade capitalista, o setor de serviços – especialmente o bancário – tem mais peso do que o setor industrial, ao contrário do tempo de Marx), e crie novos “métodos” de análise que estejam sintonizados com sociedades capitalistas onde a opressão de classes se dá em contextos cada vez menos bipolarizados (burguesia x proletariado) visto que as ditas “classes médias” (pequena burguesia? nova classe trabalhadora?) tem peso político e econômico crescentes.
5 – Creio que a maior demonstração de que hoje o marxismo não tem mais o mesmo vigor ideológico e a mesma capacidade orientadora da práxis política dos socialistas que teve outrora, é o fracasso prático do marxismo-leninismo, seja na versão stalinista, seja na trotskista. Afinal, o leninismo foi, por muitas décadas, a referência maior do que seria “o verdadeiro marxismo revolucionário”, e tanto a falência histórica do dito “socialismo real” quanto a dos atuais partidos comunistas (salvo, talvez, o de Cuba, da China?, do Vietnã?) me parecem testemunhos claros da crise (não negação total) do pensamento marxista em particular, e da esquerda democrática revolucionária em geral.
6 – Quando, no texto, eu cogito a mera possibilidade de que um novo e necessário Sistema Filosófico possa vir a ser um significativo avanço em relação ao marxismo, e de que talvez a sua formulação pudesse advir de um país emergente da atualidade, eu não estava a dizer que “a superação do capitalismo venha a acontecer a partir dos países da periferia” como interpretaste. Acho mesmo que o mais provável é que isto “só pode dar certo a partir dos países centrais”, como você afirma com toda convicção, baseada em Marx (em se tratando de História futura, eu prefiro falar de probabilidades antes que de certezas).

7 – Finalmente, não acho que a “solução” da atual crise da representação – dos partidos, sindicatos e congêneres – possa ser vista apenas como uma questão de “vontade política” ou de “participação e controle social de gestão” e de “transparência pública”. Tais questões podem, é claro, ajudar a minorar o problema, mas não a “solucioná-lo” em última instância. Em verdade, como eu disse na introdução do meu texto, creio ser esta uma questão ideológica que tem a ver com a atual crise do pensamento de esquerda – uma crise da Filosofia contemporânea -, visão esta que julgo não ser “ideológica” no sentido negativo (de “falsa realidade”) usado de maneira estrita por Marx em alguns contextos específicos.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

TEMPO DE CAMPANHA ELEITORAL



Godofredo Pinto, em fevereiro de 2015

Está na divulgada pauta da Reforma Política em discussão no Congresso Nacional a questão do encurtamento da duração das campanhas eleitorais em nosso país.

Esta é uma proposta que significa um grave retrocesso político do ponto de vista democrático. Afinal, a vigência em nossa vida política do Horário Eleitoral “Gratuito” em TVs e rádios é uma importantíssima conquista da cidadania brasileira, visto que permite aos partidos políticos e seus eventuais candidatos, apresentarem suas propostas, críticas e realizações ao eleitorado à margem das visões e interesses propalados pela “grande imprensa” nacional. Assim, menos tempo de campanha eleitoral implica em mais tempo de dominância hegemônica, no noticiário político, daquilo que seja do interesse dos “barões da mídia” do Brasil. Também os governantes de plantão, que dispõem de uma máquina publicitária própria para divulgar seus feitos, seriam beneficiados vis a vis os candidatos de oposição.

Os partidos progressistas e, em especial, todos os congressistas democratas, que defendem uma veiculação o mais plural possível dos posicionamentos políticos representados no cenário nacional – o que é fundamental para uma maior conscientização da sociedade brasileira -, não devem apoiar tão antidemocrática propositura.

A democracia, a politização de nosso povo, a não expansão da já enorme influência de nossa mídia tradicional na política brasileira e uma menor desigualdade na exposição midiática entre governistas e oposicionistas, estão a exigir de nossos congressistas, se não a manutenção da atual duração das campanhas eleitorais, a ampliação do tempo reservado aos partidos políticos nas eleições, pelo menos ao nível que vigorava antes da modificação que redundou na legislação eleitoral hoje vigente (já ocorreu, há anos, uma primeira redução).

As sempre suscitadas considerações de natureza econômica – as campanhas custam muito dinheiro e tal redução seria, por isso, positiva – expressam uma visão antipolítica, como se a democracia tivesse um preço; de fato, um maior ônus financeiro com o debate político ampliado será sempre muito pouco se o que se tem a ganhar em termos de democratização da informação signifique algo fundamental para a elevação qualitativa da vida política brasileira.